Há, pelo menos, três aspectos que caracterizam a conjugação perifrástica:
1 – o facto de ser uma perífrase verbal, em que há um auxiliar e um verbo principal[1];
2 – o facto de o conjunto verbal constituir uma unidade semântica, isto é, toda a perífrase verbal veicular uma mensagem uniforme.
3 – o conjunto perifrástico transmite um certo valor aspectual, temporal ou modal, no sentido em que dá informações suplementares em relação à acção designada.
Valor aspectual
Grosso modo, podemos dizer que são três os valores aspectuais e que se relacionam com:
a) o início da acção – «Começou a chover»;
b) o desenrolar da acção – «Está a ler um livro»; Anda a ler um livro;
c) o final da acção – «Acabou de ler o livro».
Valor temporal
Algumas construções situam a acção num futuro próximo – «O João está a/para chegar»;
ou num passado também próximo: «Tinha acabado de ler o livro quando tu chegaste».
Entre algumas construções do valor temporal e do valor aspectual propriamente dito há algumas semelhanças, como se pode verificar comparando os exemplos acima.
Valor modal
O valor modal apresenta características um pouco diferentes. Nestas construções os verbos considerados, em alguns aspectos, auxiliares modalizam o discurso veiculando conceitos como:
a) obrigatoriedade ou necessidade – «Devo ler este livro»; «Tenho de ler este livro»;
b) possibilidade ou probabilidade – «Eles podem estar a chegar»;
c) proibição ou permissão – «Não se pode fumar»; «Pode-se fumar»;
d) vontade ou desejo – «O João queria ir ao Brasil».
e) Etc.
Os verbos modalizadores, na sua maioria, embora tendo algumas características que os aproximam dos auxiliares, distanciam-se deles em outros aspectos. Não se trata, portanto, de verbos auxiliares prototípicos. Por isso alguns autores lhes chamam semiauxiliares. Com efeito alguns destes verbos, como poder, permitem o uso da negação imediatamente antes do verbo considerado principal, o que demonstra alguma independência de sentido entre os dois verbos:
1 – «A Maria pode não acabar o trabalho»;
2 – «A Maria não pode acabar o trabalho».
As frases 1 e 2 têm sentidos diferentes, mas são ambas bem construídas contrariamente ao que aconteceria se tentássemos colocar o advérbio de negação no seio de uma construção com um verbo auxiliar prototípico:
3 – «O João não está a ler»;
4 – *«O João está a não ler»; [o * indica que a frase não é correcta]
5 – *«O João está não a ler»;
Note-se que a frase 5 seria aceitável se lhe introduzíssemos uma outra frase, mas aí já não seria a conjugação perifrástica que estaria em causa:
5.1 – «O João está não a ler, mas a brincar».
Outros, como querer, têm frequentemente uma oração integrante ou completiva a servir-lhes de complemento directo:
6 – «Quero que o professor faça o teste».
7 – «Quero fazer o teste».
Comparando as frases 6 e 7, podemos ver que em 7 o facto de o sujeito ser o mesmo nos permite o uso do infinitivo em vez da forma conjugada do verbo.
Eu faria esta interpretação na frase em análise e não consideraria o verbo querer como auxiliar, embora ele veicule uma certa modalização que se aproxima, graças ao uso do presente, de uma ordem (se, em vez do presente se usasse o imperfeito, a modalização seria de vontade ou desejo). Ressalvo, no entanto, o facto de se tratar de um assunto que não é pacífico, havendo quem defenda posições diferentes, mas igualmente válidas.
[1] N. E. (15/5/2017) – Nas perífrases verbais que constituem o que se chama conjugação perifrástica, o verbo principal pode ocorrer no infinitivo («acaba de ler») ou no gerúndio («vai fazendo»). A seleção do infinitivo ou do gerúndio depende frequentemente do auxiliar escolhido: acabar e deixar selecionam sempre um infinitivo precedido da preposição de («acaba de ler», «deixa de ler»). Contudo, há auxiliares que podem selecionar ou infinitivo ou gerúndio, com significados diferentes: «vou fazer», com infinitivo, marca o futuro próximo, enquanto «vou fazendo», com gerúndio, o desenvolvimento da ação. Finalmente, há auxiliares que se associam a formas diferentes do verbo principal (infinitivo ou gerúndio) em função da variedade regional; é o caso de estar, que, no português padrão de Portugal, se emprega com a preposição a e infinitivo («estou a ler»); no português do Brasil (e em falares regionais de Portugal), este verbo ocorre sempre com gerúndio («estou lendo»).